Até ontem

Ninguém nunca abriu a porta do carro pra mim, até ontem. Até eu sair de um lugar que ainda não é meu lugar, e ver você parado lá com os braços cruzados esperando. Eu não sei o que você esperava, não sei se naquele primeiro momento suas expectativas foram destruídas ou superadas, mas eu sei que eu pensei: "essa é a porra de uma cena de um filme romântico".

É muito óbvio falar de você e de cenas no mesmo contexto, só que eu vou aproveitar essa previsibilidade. Nosso encontro foi como subir no palco para apresentar uma peça que eu já fiz tantas vezes, então isso me ajudou com o nervosismo. Consegui respirar antes de responder, consegui responder o que eu queria que você ouvisse. Eu só não consegui mudar o final, porque eu entro demais nesse personagem que eu criei.

Aquela que só mostra as partes que quer para conseguir o que quer, que são momentos de frio na barriga. Os momentos em que existe a ansiedade boa, o ciúme bom, a saudade boa, o perigo bom. E assim a gente foi dançando em cena, com a novidade de um parceiro novo, até tudo isso se tornar ruim. Até ficarmos satisfeitos com os aplausos e elogios no final, e percebendo na segunda vez que não foi a mesma coisa.

Bom, esse era o roteiro: primeira vez incrível, segunda vez razoável, terceira vez péssima. Quarta vez? Melhor cancelar. Mas foi o contrário. A primeira vez repleta de insegurança, falta de entrosamento. A segunda vez nas alturas, foi surreal. Depois, bem, eu surtei. Tudo aquilo era muito pra mim, pra uma jovem e inexperiente atriz, fingindo que sabe interpretar e sair do personagem no final da noite. 

Então eu achei melhor findar pra que você reserve isso pra elas. Para as que se entregam sem correntes nos pés, porque eu não merecia ser a sua terceira parceira, assim como não merecia a nossa terceira vez. Se afastando aos poucos, até sermos estranhos de novo. Até hoje, porque nessa manhã, depois de meses, o jogo virou mais uma vez.

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